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terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Esse texto retrata o absurdo das contratações com exigências milaborantes...depois as empresas reclamam da falta de fidelidade e rotatividade.
Você é Hands On?
Max Gehringer / Colunista
Vi um anúncio de emprego.
A vaga era de Gestor de Atendimento Interno, nome que agora se dá à
Seção de Serviços Gerais.
E a empresa exigia que os interessados possuíssem - sem contar a
formação superior - liderança, criatividade, energia, ambição,
conhecimentos de informática, fluência em inglês e não bastasse
tudo isso, ainda fossem HANDS ON.
Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que
possuía essa variada gama de habilidades, o salário era um assombro:
800 reais. Ou seja, um pitico.
Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Ao contrário, é
quase o paradigma dos anúncios de emprego.
A abundância de candidatos permite que as empresas levantem cada vez
mais a altura da barra que o postulante terá de saltar para ser
admitido.
E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da
super-qualificaçã o, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...
Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos
tão bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como
gestora de atendimento interno... E um de seus primeiros clientes fosse o
seu Borges, Gerente da Contabilidade.
Seu Borges: -- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.
Fabiana: -- In a hurry!
Seu Borges: -- Saúde.
Fabiana: -- Não, Seu Borges, isso quer dizer 'bem rapidinho'. É que eu
tenho fluência em inglês. Aliás, desculpe perguntar, mas por que a
empresa exige fluência em inglês se aqui só se fala português?
Seu Borges: -- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?
Fabiana: -- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque
eu tenho profundos conhecimentos de informática.
Seu Borges: -- Não, não.. Cópias normais mesmo.
Fabiana: -- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha
criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando
eliminar 30% das cópias que tiramos.
Seu Borges: -- Fabiana, desse jeito não vai dar!
Fabiana: -- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.
Seu Borges: -- Como assim?
Fabiana: -- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E
considero isso um desperdício do meu potencial energético.
Seu Borges: -- Olha, neste momento, eu só preciso das três cópias.
Fabiana: -- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...
Seu Borges: -- Futuro? Que futuro?
Fabiana: -- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui
e ainda não aconteceu nada.
Seu Borges: -- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me
aconteceu nada!
Fabiana: -- Sei. Mas o senhor é hands on?
Seu Borges: -- Hã?
Fabiana: -- Hands on....Mão na massa.
Seu Borges: -- Claro que sou!
Fabiana: -- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença
que eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me
prometeram quando eu fui contratada.
Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:
1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque
não têm as qualificações requeridas.
2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos
porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não
poderão usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não
precisava delas.
Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no
longo prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá
ir sendo preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.
Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos
um montão de gente super qualificada. E as conversas ficaram de tão
alto nível que um visitante desavisado confundiria nossa salinha do café
com a Fundação Alfred Nobel.
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Pessoas superqualificadas não resolvem simples problemas!
Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas
fábricas e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi
antes do advento do milagre do celular, o jeito era confiar no
especialista, o Cleto, motorista da van. E aí todos descobriram que o
Cleto falava inglês, tinha informática e energia e criatividade e
estava fazendo pós-graduação.. . só que não sabia nem abrir o
capô. Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando
destrinchar o manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta.
Para horror de todos, ele falava 'nóis vai' e coisas do gênero.
Mas, em 2 minutos, para espanto geral, botou a van para funcionar.
Deram-lhe uns trocados, e ele foi embora feliz da vida.
- Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as
Empresas modernas torcem o nariz:
O QUE É CAPAZ DE RESOLVER, MAS NÃO DE IMPRESSIONAR.
Max Gehringer
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